Tenho tentado ser um otimista. Diariamente observo apegos e aversões, tento manter-me neutro, com pouco sucesso, mas há a intenção. Tento ver o lado bom das coisas, acreditar na índole última para o bem. Mas está bastante difícil manter-se nesse rumo. Ele seguirá, mas abalado por fortes tufadas laterais e contrárias, em meio a um mar turbulento infestado de tubarões. O mundo inteiro parece estar indo para o fundo do abismo, e numa velocidade vertiginosa. Por um momento, adote a perspectiva de que a luz ilumina a escuridão. Agora olhe ao redor, e ao invés de adotar a perspectiva de uma ciência confiante na tecnologia que nos salvará, ou que qualquer outra coisa externa a nós mesmos o fará, vamos considerar a escuridão como algo que tem, de fato, crescido e assombrado, eclipsado o bem. Na dualidade mundana entre bom e mau, há um desequilíbrio evidente e posso mesmo estar enganado (assim espero), mas ao meu ver, não é para o bom.
Terroristas atacam centenas de pessoas em Paris, cidade ícone do ocidente, celeiro de ideais celebrados na bandeira francesa, farol para o que temos de virtuoso, o que temos de mais humano. O conflito estende seus tentáculos por sobre África, Europa e Ásia, milhares de refugiados abandonam seus lares fugidos de fogo cruzado e imbecil. Grandes potências militares e econômicas apontam para um conflito que, pensando-se francamente, pode vir a culminar na Terceira Guerra Mundial. Fukushima, há alguns anos, abriu novos precedentes para parâmetros de desastres ambientais, deixando Chermobil na retaguarda até que nós assistimos no seio de nosso próprio país, o descaso, a ganância, a ineficiência porca e egoísta confluírem para anunciado desastre ambiental: destruiu-se um rio inteiro de uma só vez, e ainda nem sabemos medir ao certo o alcance que tal desastre implicará no litoral brasileiro. O aquecimento global é uma realidade sentida, não mais especulada ou projetada. Recordes históricos sendo superados semanalmente, no Brasil e no mundo: nível do mar subindo, El Niño produzindo super furacões, geleiras derretendo-se, a fauna e flora polares sendo irremediavelmente degradadas, junto com, é claro, boa parte da fauna e flora de quase todos os ecossistemas. O cerrado sofre queimadas recordes, grandes reservas são consumidas pelo fogo e a atmosfera ganha nova tonalidade acinzentada. O fogo, muitas vezes proposital, abre caminho para novas pastagens também na Amazônia, onde a natureza original abre espaço para novos campos de soja e novos pastos bovinos para alimentar bocas famintas de carne. Hábito que inegavelmente está destruindo nossos rios, florestas, biomas de todos tipos e intoxicando o ar com gás metano e gás carbono. Mas a agropecuária no Brasil vai muito bem, obrigado. O cego crescimento de hoje alimenta o câncer que poderá nos matar a todos. Povos indígenas são chacinados, o governo pouco ou nada faz a respeito. Suas terras são tomadas e agora um congresso conservador como jamais antes tivemos a (in)capacidade de eleger ameaça ainda mais seus direitos à terra, à perpetuação de sua cultura e sabedoria e, em última instância, à própria vida. A religião de uns tenta oprimir a moral e os direitos de outros, a proposta por soluções armamentistas marca mais um retrocesso, assim como os venenos e transgênicos banidos em outros países que aqui encontram solo fértil. As mulheres, os homossexuais, os negros ou os pertencentes a minorias étnicas e econômicas têm seus direitos visceralmente ameaçados, sentem ondas incompreensíveis de preconceito e violência, e a própria democracia dá sinais de fraqueza, podendo sucumbir ao grito, à sonegação, ao ódio, aos crimes em esferas que parte da sociedade nem mesmo enxerga como crimes, mas clama como virtudes. Aviões de passageiros são abatidos. Chacinas étnicas matam aos milhares na África sem esboçar reações à altura de forças internacionais pois não há ali interesses econômicos grandes o suficiente para motivar uma intervenção pela paz. Nas metrópoles brasileiras, a polícia figura entre as que mais mata no mundo enquanto a população não tarda em emitir julgamentos e emitir opiniões cheias de preconceitos e ingenuidade. Supostos criminosos são amarrados a postes e apedrejados até a morte. Menores infratores passam a ganhar tratamento igual ao de homens maduros e estes são descartados e obliterados pelo Estado num sistema carcerário cruel. Isto é, quando são infratores da lei sem o respaldo do terno. Enquanto isso há os que tomam o público como privado, apropriam-se do que era destinado a servir. A mídia mente, manipula, distorce. A estúpida guerra às drogas, que paulatinamente é superada em países mais desenvolvidos não dá sinais de recuo no Brasil. Professores, policiais, caminhoneiros, funcionários públicos reivindicam direitos, ainda que por vezes falham em aprofundarem-se no cumprimento de deveres, e o governo responde com silêncio ou com mão pesada, sintomas de uma liderança fraca, insegura, míope… a lista poderia continuar indefinidamente, mas me resguardo a parar aqui.
Será que o mundo sempre foi esse caos, essa desvirtue, esse ode individualista e simplesmente não tínhamos a tecnologia e o alcance para percebê-los ou será que realmente estamos mergulhados em tempos sombrios, nos quais a luz de velas é insuficiente para guiar o caminho? Por que não aprendemos com as crianças, que vêm ao mundo portando olhos frescos, desviciados, inócules mas corrompíveis se indevidamente expostos, que antes vêem no próximo um potencial amigo, não potenciais ganhos? Por que não agimos como adultos, respeitando a individualidade do próximo sem perder a noção de comunidade, tomando ciência de seu meio ambiente, responsabilizando-se pelas consequências de seus atos para com a vida neste planeta?
Em meio a explosões de desastres, naturais e humanos, permaneço vela… mas mantenho a esperança que a chama de uma única vela pode ascender maravilhosos fogos de artifício, explodir em ações e vibrações que iluminam enquanto celebram, auxiliam, curam. As chamas de 7 bilhões de velas certamente podem alcançar brilho intenso. Sejamos luz.